Tratamento do estresse - Psicóloga Carolline Miksoz

O sofrimento moral e psicológico sempre foi tema de discussão em todas as culturas, em todas as épocas. Porém, não se pode deixar de reconhecer, ao examinar os registros e estudos sobre o tema, que a maneira de se sofrer e sua identificação recebe considerável influência cultural e se modifica ao sabor das transformações sociais.

Na sociedade ocidental, da qual pode-se falar com mais intimidade, é possível perceber essa natureza renovável da percepção do sofrimento focando a atenção para o que ocorreu nos últimos 100 anos. Na maior parte dos tratados de psiquiatria e psicologia dos primeiros 30 anos do século XX, os sentimentos de culpa, remorso e infortúnio moral eram descritos como o cerne de todo o sofrimento depressivo.

Numa sociedade onde elevados sentimentos de responsabilidade e preocupações altruístas eram a moral dominante e a realização de desejos pessoais vista como preocupação fútil e mundana, era compreensível que tudo o que se temesse era “proceder erradamente”. O século terminou, no entanto, com a cristalização de uma nova matriz de orientação moral que em quase tudo renega os valores com os quais a civilização ocidental o iniciou.

A atual sociedade de consumo estimula o desejo e esse deve ser hipertrofiado para que se aumentem artificialmente as necessidades individuais. Ou seja, é preciso criar uma voracidade inédita de consumo, pois do outro lado há também um ritmo frenético de produção e prestação de serviços que precisa ser justificado ou todos acabariam por desconfiar que as pessoas vivem ocupadas com objetivos em boa parte supérfluos. Não é à toa que a maneira de se perceber sofrendo em dias atuais quase sempre se relaciona à noção de esforço extenuante ou frustração. Numa cultura competitiva por excelência, onde o papel das pessoas é lutar pela preferência dos que consomem e ao mesmo tempo se tornarem capazes de consumir infinitamente, a ideia de sofrer é mais bem definida pelo cansaço e pela ameaça do fracasso.

Originária da literatura médica e leiga dos EUA, a palavra estresse (do original “Stress”) significa exatamente esforço, destinado a atender necessidades de adaptação ou enfrentamento. Rapidamente passou a ser utilizada para definir o desconforto frequente que ronda pessoas envolvidas num ciclo de perdas de qualidade de vida. São rotinas inadequadas de trabalho, perdas de disponibilidade para se dedicar ao convívio prazeroso com outras pessoas (mesmo com a família), além do abandono progressivo de hábitos lúdicos e da atividade física que compõe o cardápio geral da deterioração da qualidade de se viver em nossos tempos.

Quando vista de uma forma um pouco mais corporizada, o “cansaço” já encontra uma palavra portuguesa para se definir: Estafa. São as faces culturais do verdadeiro e atual “mal estar” civilizatório. A psiquiatria moderna parece ter sido capaz de sentir toda essa transformação. No início do século passado deixou de se preocupar com a histeria, uma ilusão como conceito, e a dar espaço à depressão como doença frequente e relevante.

Inicialmente, porém, só reconheceu formas graves. Os anos 80 viram surgir o conceito diagnóstico de “Distimia”, que significa em outras palavras uma forma prolongada apesar de leve de depressão. E foi desconcertante descobrir depois como era frequente essa forma de adoecimento depressivo, e quanto ela parecia estar ligada à má qualidade de vida.

A Distimia se assemelha em muito ao que a sociedade se acostumou a chamar de estresse e talvez seja razoável entender que pessoas que percebam não encontrar mais fim para crônicos sentimentos de desconforto como estafa e estresse tenham na realidade, ultrapassado por vários motivos a linha que divide a doença do sofrimento normal e passageiro.

Sabe-se, no entanto, que o complexo organismo humano ainda reserva segredos o suficiente para admitir a ignorância a cerca da natureza das causas das enfermidades. Muitas evidências mostram que doenças orgânicas e disfunções cerebrais podem causar a depressão crônica. A simples observação da deterioração sutil do humor no envelhecimento nos mostra isto. Trata-se, portanto, de uma via de duas mãos onde a perda de qualidade de vida leva a Distimia e a mesma, por sua vez, produz por vários mecanismos uma série de reações adaptativas que levam a um baixo padrão em termos de qualidade de vida.

É um fato que leva a entender como é ampla a noção de saúde e sua relação com os hábitos e os costumes. E que faz pensar que realmente temos limites como espécie, que as pessoas deveriam saber reconhecer para pensar em construir um mundo realmente mais capaz de produzir o bem estar e a felicidade perseguidos historicamente, como uma promessa até hoje não cumprida.

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